quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O menino e o balão


Ele imaginava a mãe com o castigo na palma da mão pra lhe dar, tinha besteirado muito aquele dia; e corria. Imaginava o campo apitando o jogo que ia começar e só faltava ele vestir ou não o colete, último do time, arquibancada torcendo pra ele chegar; e corria. Disparado era ele e o coração que ele corria de boca fechada para não pular.

“Quer chegar em que onde esse menino que não pára de correr?”, quem via, pensava.

Fazia vento e tudo. Era rápido que só. Era muito só. Não tinha ninguém pra lhe dizer que mesmo que corresse até o mais rápido, não conseguiria voar.

- Solta essa distância que menino é bicho sem asa, é diferente de máquina que voa.

Até que um dia, o menino que nunca olhava pra baixo, viu o balão. Tão em cima das suas idéias, um céu que era perto, ele nem acreditou. Não era avião que tem que ter muito valor de papel pra voar. Nem era nada que passarinhasse. Era lá uma bola bem grande com uma cesta amarrada embaixo. O menino na cesta (tinha um menino na cesta que nem o menino que olhava pra cima) fazia tchau com a mão. E o menino-menino, ao ver aquilo pela primeira vez, foi tomado por uma coisa, uma coisa que ele não sabia dizer o que era, mas era boa, era como saber que se pode tocar as estrelas, era boa essa coisa, e voltou a correr, mas a correr tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, que alcançou o balão.

Soneto de uma moça na janela


A moça da janela acorda e vai pra janela.
Acorda com cara de sonho ainda.
Sem saber se é moça, princesa ou balão.
Vai, então, pra janela, pra ver se a resposta flutua.

A moça da janela adora café com lírio.
A moça da janela passa manteiga no pé.
A moça da janela dá bom disco ao rádio-relógio.
A moça da janela continua com cara de sonho.

Toma um banco, vai pra rua.
Senta pra ouvir as histórias da manhã.
Corre e deixa cair o chapéu
Nem viu que o laço do vestido desamarrou.

Hoje a moça da janela acordou e deixou a janela
Foi ser ela mesma no mundo.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Lua


Por inveja do azul debaixo,
O céu também tem sua ilha:
Porção de claridade
cercada de infinito por todos os lados.
Quem tem medo quando faz escuro?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Sorriso


Olha como tudo na foto é amarelo. O uniforme de escola das crianças, o armário sem chave, a folha colada na porta, a mesa na altura da cintura ou dos joelhos – depende se a professora está ou não na sala – e as cadeirinhas.

Tudo é amarelo, menos o sorriso da menina. Que é cor de olha pra mim e descombina do resto da sala, dentro da moldura vermelha do batom que a mãe pintou.

É uma menina em volta de um sorriso, com um coração que bate na boca.

É seu aniversário de 5 anos e só vai colocar os dentes para dormir depois da meia noite, quando o parabéns já for de outro dia.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Don't watch me dancing


Ela tem vergonha de que eu a veja dançar. Diz que a música lhe foge, e quando se dá conta, já foi parar na cintura de outra moça. Ela acha que eu ligo para a direção dos seus braços. Não ligo. Para mim, eles sempre apontam prum sorriso escapando no canto da boca. Ela tem vergonha de que eu a veja dançar por desconforto de pista. Dança, então, no carro, no supermercado, na passagem do 6º para o 7º andar do elevador. No de serviço, que é sem espelho. Dança enquanto o elevador sobe e a impaciência que faz alguns procurarem a chave na bolsa – a impaciência que dela é musical – a faz se movimentar entre quatro platéias. Para mim, que a vejo com olhos de partitura, ela sempre se move num ritmo que eu não me canso de acompanhar.

Passo de dança é ela conduzindo as sandálias até o último degrau do cinema da galeria. Eu a vejo e ela não me escuta.

Será que hoje você deixa eu dançar uma música com você? Só uma. Em lugar de dançar, eu sei que ela tem vergonha. A vergonha mais bonita desse salão. Por isso, me espanto quando ela se aproxima, sua saia alcançando meus ouvidos antes mesmo dela estender as mãos para mim. Eu que a tirei pra dançar tantas vezes enquanto esperávamos o ônibus juntos, na fila do suco, no sinal que teimava em ser vermelho. Bom dia, o 583 já passou? Nem me interessa a resposta.

Eu, que nunca dancei com ela por vergonha dela em lugar de dançar, eu, que agora tenho uma das mãos na sua cintura, no seu ombro, na sua cintura e a outra na sua mão esquerda, estou conduzindo a minha vontade por um salão lotado de estranhos. Desculpe, com licença.

Eu, que aceitei ela ter esquecido o desconforto na outra saia, a que ficou em casa, continuo a ocupar esses espaços com os passos nossos e leves. Os meus e os dela. Que me tirou pra dançar e eu fui atrás, da porta do banheiro feminino à mesa com as amigas. Não tive coragem para mais.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Casa vazia

A casa, de pequena,
Se expandiu com a falta.
Vontade de voltar,
Mas anti-horário é sentido inútil.
Descuido meu de miudezas,
Culpa do dia.
A sobra preenche,
Não combina.
Será que alguém vai notar
Que o botão caiu?

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Delicadices



Outro dia, vi um pássaro nas costas de uma menina.
Mentira.
Outro dia, vi uma menina de costas para um pássaro.
Mentira.
Outro dia, vi as costas de um pássaro sobre uma menina.
Mentira.
Para onde vão essas delicadices quando não as invento?