terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um poema pra novembro

É engraçado como de uma hora pra outra,

Eu – esse ser tão descabido de interrogações –

Posso segurar a chama de um isqueiro com a língua,

Sustentar o vento com a pálpebra do meu polegar,

Escravizar as uvas retendo apenas o liquido denso e vivo

que sai delas,

Catapultar avenidas,

Abrigar montanhas dentro do meu casaco de seda,

Ouvir o que sussurram as formigas na linha do trem,

Posso tudo, e nada me evapora,


Só não posso, nem com toda a sorte do mundo,

dizer não.


Por isso, espero.


E tenho saudade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ponteiros batem feito corações


Todos os ponteiros de relógios apontam em direções diferentes não há hora exata para ir embora o tempo é uma reta e mais outra com um ponto no meio do caminho já é à tarde ou então é cedo se o menor assim quiser ele rabisca agendas marca compromissos marca passos 24 passos por dias sem sair do círculo e ainda assim é livre enquanto um deita aqui o outro já está de pé no Japão eles nunca se encontram como as famílias que se reúnem para jantar em um ângulo de 90 graus ou durante a novela que nunca se atrasa se ao invés de números fossem cores talvez você acordasse em pleno amarelo e ao alaranjar fosse a hora de dormir se ao invés de cores fossem palavras você diria ainda são dinossauros me chame só ao guarda-chuva se ao invés de palavras fossem sensações o maior poderia parar na alegria mesmo se estivesse com a bateria funcionando bem rápido vão os ponteiros do relógio especialmente quando num minuto estão muitos dias e eles batem batem batem feito corações.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Para Guimarães Rosa

Vestiu uma roupa laranja e foi dizer sim. De branco ficou a cara do pai, fazendo susto com as bochechas. Na grama a gente não pisa, mas a alegria pula e vai bem alto colocando um laço lilás no cabelo dela. Um jardim de fazer crescer para sempres. Ele jura que vai construir a casa na árvore. Ela promete que vai amarelar as paredes de cor. Todo mundo em ah, e o olho da mãe regando o vestido. Diluviando. Ele já pode assoprar o cabelo dela: sim, sim. Ela joga um saco de pipocas para trás e quem pega uma comemora. Tem sorte. Todos dançam em carrosséis até o céu girar também e eles rodam, rodam, rodam, circulando o todo dia de amor.

Para Mia Couto

A mulher foi embora assim numa manhã, sem deixar nem vento. Ela era folha, ele era raiz. Ficou. E chorou porque homem que é homem se apresenta pra dor, mas não se demora muito nela. Ele a procurou na cidade e fora dela e não tinha uma árvore que não soubesse o rosto da mulher; colou a foto mesmo, que era pedido de ajuda. Um dia, o teto ficou longe e ele bateu a cabeça no chão. Era o primeiro enjôo. Nunca tinha sentido isso, mas não fugiu, se apresentou novamente e o médico pediu exame. O senhor não fuma, não bebe, não tem chefe, não tem porque cair assim. A minha barriga, doutor, ta fazendo o resto do corpo encolher. Desde quando? Faz tempo pequeno, foi quando ela foi embora, to assim de tanto esperar. O médico ficou branco quando deu a notícia: a espera é agora, tem um bebê na sua barriga. A cidade inteirinha querendo ver, que coisa assim se espalha logo e ele olhando a coragem e dizendo: vambora? E foram. Passou um mês, seis, nove e a mulher voltou. Voltou? Ele com dois corações batendo apressados e ela dizendo: não queria ter feito você esperar tanto. E ele: agora já foi. No dia seguinte, o bebê nasceu. Era a cara da mãe.