quarta-feira, 27 de maio de 2009

A letra "A"


Antes, as amoras
Algodão avermelhado
Açúcar achado ali
Aceita?
Aceito.
Agora, amantes
Ainda açúcares
Ainda achados
Acontece assim:
As almas alinhavadas
Até aqui, amor


domingo, 24 de maio de 2009

De uma janela, em Copacabana

Onde ela nasceu não é assim pequeno pros lados, mas é pequeno pra frente. A pessoa cresce, não precisa nem ser muito, e vai trabalhar na lanchonete da avó, na vendinha da mãe, no açougue do pai.

Lá onde ela nasceu, quem tem sorte, divide o pai com muita gente. Quem não tem, tem só a mãe mesmo. Mas tá bom. Pra ser alguém na vida, só mesmo indo pra cidade grande, ela pensava. Grande pra frente, de oportunidade. Oportunidade é uma palavra que ela aprendeu no jornal da TV e gostou, passou a usar. Assim como passou a usar “muito maneiro”, ao invés de “muito massa”, embora os irmãos estranhassem nas cartas.

Agora ela está na cidade grande, no bairro grande, no apartamento que é um exagero. Nunca tinha visto tanto espaço vazio junto. Ela trabalha em Copacabana, bem no finzinho, dá até pra dizer pras amigas que é quase Ipanema. Ipanema é muito maneiro, ela pensa. Agora ela está na janela, quer dizer, atrás da janela fechada, mas que tá tão limpinha, que é como se estivesse aberta, dá pra ela ver tudinho. O mar, que logo que ela chegou, contava quantas vezes o tinha visto, mas quando chegou na vez 30, parou de contar. Lá de cima, da janela, ela não consegue ver os peixes, de coisa que nada, ela só vê mesmo uns barquinhos lá no fundo e uns homens. “Eu que num tenho coragem”, é o que ela diz pra Dona Elizabeth quando a patroa pergunta se ela já mergulhou.

Dali ela vê os meninos vendendo côco o dia todo. O côco prontinho, aberto e com canudo. Ela se pergunta quem é que sobe na arvore pra catar a fruta, já que esses meninos são muito magrinhos pra isso. Tem também muita gente com pressa embaixo dos pés, que vai de carro, de ônibus, de van, de todo jeito. E ela olha, olha, mas como não tem pressa embaixo do olho, não consegue acompanhar.

Se a patroa chegasse agora, ia ver as bochechas dela pegando fogo, é que acabou de passar no calçadão, o Raimundo, o porteiro do 1530, da praia mesmo, que ela conheceu na feira. Ela gostou dele. Mas não está entendendo porque é que ele sentou ali no banco, ao lado do homem de ferro, que fica o ano todo lá parado, sentou e pegou o telefone, bem na hora do serviço. Ela podia até gritar, mas não gosta de abrir a janela pra não parecer que tá à toa, sem fazer nada. Ela ouve um barulho que não é a campainha. É o celular novo, cor de rosa, que começou a tocar na cozinha. Deve ser Raimundo.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O lado esquerdo


O lado esquerdo. Do quarto. O lado onde pintavam os dedos de tinta colorida e depois empurravam a parede de rosa ou violeta ou laranja. A moça era tão sorriso. E a felicidade que devia mesmo dar como tinta no corpo. Sabe chorar de rir? Então. Uma lágrima verde, outra azul, outra cor de abóbora. Um roxo escorrendo pelos braços, por debaixo da camisa que pode até ser branca, tanto faz. Iam colorescendo juntos, soprando arco-íris como bolhas de sabão. E deixando as bolhas estourarem nos seus pés e rindo ao ver que os sapatos tinham ficado daquele jeito, felizes, como eles. O outro lado, não sei.

O lado esquerdo. Da cama. A moça era tão algodão. Nem lençol fazia vez de filho, nada no meio do casal. Uns contam bichos-travesseiro pra dormir, eles contavam qualquer coisa engraçada que lhes viesse à cabeça. 1, 2, 3, 15, 22, e eram muitas as coisas e até dormiam mais tarde por isso. Acordavam sábado no chão da sala, domingo na rede da varanda, terça no corredor, entre o quarto e o banheiro. A cama era somente o lugar que acomodava o sono. Só havia uma regra: que ela dormisse sempre do lado esquerdo dele. O outro, hoje não.

O lado esquerdo. Do corpo. A vida surgindo ali, nascendo. A moça era tão ai, era tão ela, era tão. E mais daquele lado. Tinha rompantes de desejos, queria nadar na casa, queria dançar no telhado, queria alimentar o cachorro do vizinho que ela conseguia enxergar da varanda, mas nunca sabia como chegar até ele. Sentia que era ali e somente daquele lado que os abraços aconteciam e o rostos ficavam vermelhos nas maçãs. Para eles, para ela, o coração era uma máquina de bombear felicidade e colorir pulmões, veias e tecidos. Tudo por causa do lado esquerdo. O outro, não importa.

            

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Água doce

A cidade amanheceu um rio. Mesinha da criança na escola é o joelho da cidade. Água até lá. E como. Madame escuta que ainda tem peixe no mercado. Mas quando viu, já passou. Moço da farmácia bate os pés e as mãos bem rápido pelo caminho pra conseguir entregar o remédio da menina. É quase uma prova com obstáculos. Passa por sofá laranja-marrom, cor de pingo que suja. Passa por pneu de borracha. “Algum carro ficou órfão de sua pata por aí”, ele pensa. Passa por sacolas de padaria, bolas de futebol, sem criança correndo atrás, estranho. Estranho bom. A cidade é um rio, agora. Há quem diga que a chuva castigou nesta semana. Ninguém sabe que foi a menina. Ô, menina, você não sabe que um choro teu enche um rio? De pessoa doce, água gêmea. Lágrima pegou tua doçura e inundou a cidade. Não, não vá chorar mais por culpa. É bonito de ver a cidade barqueando na tua tristeza. Deixa. Não vamos contar a eles que não foi a chuva.

sábado, 9 de maio de 2009

Sobre as cartas de amor


Sei ler, sei escrever e sei passar o dedo nas palavras.
Como no passado do bolo,
Enquanto massa invejável ainda.
Não conheço o alfabeto das flores.
Mas sei que o amor caminha sempre para as extremidades do corpo.