quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

para flutuar













respire fundo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um poema pra novembro

É engraçado como de uma hora pra outra,

Eu – esse ser tão descabido de interrogações –

Posso segurar a chama de um isqueiro com a língua,

Sustentar o vento com a pálpebra do meu polegar,

Escravizar as uvas retendo apenas o liquido denso e vivo

que sai delas,

Catapultar avenidas,

Abrigar montanhas dentro do meu casaco de seda,

Ouvir o que sussurram as formigas na linha do trem,

Posso tudo, e nada me evapora,


Só não posso, nem com toda a sorte do mundo,

dizer não.


Por isso, espero.


E tenho saudade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ponteiros batem feito corações


Todos os ponteiros de relógios apontam em direções diferentes não há hora exata para ir embora o tempo é uma reta e mais outra com um ponto no meio do caminho já é à tarde ou então é cedo se o menor assim quiser ele rabisca agendas marca compromissos marca passos 24 passos por dias sem sair do círculo e ainda assim é livre enquanto um deita aqui o outro já está de pé no Japão eles nunca se encontram como as famílias que se reúnem para jantar em um ângulo de 90 graus ou durante a novela que nunca se atrasa se ao invés de números fossem cores talvez você acordasse em pleno amarelo e ao alaranjar fosse a hora de dormir se ao invés de cores fossem palavras você diria ainda são dinossauros me chame só ao guarda-chuva se ao invés de palavras fossem sensações o maior poderia parar na alegria mesmo se estivesse com a bateria funcionando bem rápido vão os ponteiros do relógio especialmente quando num minuto estão muitos dias e eles batem batem batem feito corações.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Para Guimarães Rosa

Vestiu uma roupa laranja e foi dizer sim. De branco ficou a cara do pai, fazendo susto com as bochechas. Na grama a gente não pisa, mas a alegria pula e vai bem alto colocando um laço lilás no cabelo dela. Um jardim de fazer crescer para sempres. Ele jura que vai construir a casa na árvore. Ela promete que vai amarelar as paredes de cor. Todo mundo em ah, e o olho da mãe regando o vestido. Diluviando. Ele já pode assoprar o cabelo dela: sim, sim. Ela joga um saco de pipocas para trás e quem pega uma comemora. Tem sorte. Todos dançam em carrosséis até o céu girar também e eles rodam, rodam, rodam, circulando o todo dia de amor.

Para Mia Couto

A mulher foi embora assim numa manhã, sem deixar nem vento. Ela era folha, ele era raiz. Ficou. E chorou porque homem que é homem se apresenta pra dor, mas não se demora muito nela. Ele a procurou na cidade e fora dela e não tinha uma árvore que não soubesse o rosto da mulher; colou a foto mesmo, que era pedido de ajuda. Um dia, o teto ficou longe e ele bateu a cabeça no chão. Era o primeiro enjôo. Nunca tinha sentido isso, mas não fugiu, se apresentou novamente e o médico pediu exame. O senhor não fuma, não bebe, não tem chefe, não tem porque cair assim. A minha barriga, doutor, ta fazendo o resto do corpo encolher. Desde quando? Faz tempo pequeno, foi quando ela foi embora, to assim de tanto esperar. O médico ficou branco quando deu a notícia: a espera é agora, tem um bebê na sua barriga. A cidade inteirinha querendo ver, que coisa assim se espalha logo e ele olhando a coragem e dizendo: vambora? E foram. Passou um mês, seis, nove e a mulher voltou. Voltou? Ele com dois corações batendo apressados e ela dizendo: não queria ter feito você esperar tanto. E ele: agora já foi. No dia seguinte, o bebê nasceu. Era a cara da mãe.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A pedra

Há que se ter o distanciamento exato da coisa para poder falar sobre ela. Nem mais, nem menos. Nem perto, nem noutra cidade. A pedra, enquanto pedra, precisa estar a três passos, senão é ponto ou muro. Senão é pó ou caverna. Há que se sair da pedra para estar nela. As coisas, às vezes, precisam não estar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Uma carta para o futuro

Bom dia, filho. Digo bom dia porque escrevi uma carta tão ensolarada pra você que eu espero que você leia de manhã., com as janelas bem abertas. Daqui a dez anos, eu já vou ser sua mãe, mas hoje eu ainda sou outra coisa que você não vai poder conhecer. Normal. Nem todas as coisas nos esperam para acontecer. É por isso que eu estou escrevendo, porque eu queria muito que você soubesse o cheiro que o meu cabelo tem agora aos vinte e poucos anos. E que hoje ele está comprido, mas já foi curto também. Eu queria que você soubesse que eu não perco uma oportunidade de dançar, mesmo que eu esteja no metrô, mesmo que não tenha música. Eu sou assim, filho. E fico feliz quando como atum na hora do almoço. Atum é um peixinho que eu vou te mostrar um dia. Eu sou uma menina que perde todos os papeis e chaves de casa, mas não fica com medo, eu juro que vou saber cuidar bem de você. Quero que você saiba que eu pinto as unhas de amarelo e acredito tanto no amor incondicional, que abro cada vez mais os braços, para que ele ganhe o mundo. Espero que quando você estiver lendo esta carta, o tempo já venha com 3 ponteiros, ao invés de dois: minuto, segundo e alegria, indicando que é hora de sorrir mais. Mas espero mais ainda que você entenda que o tempo linear é menos importante do que o tempo que você quer que as coisas durem. Só agora me lembrei que talvez você nem saiba ler ainda. Não tem problema, deita aqui que eu te conto tudo antes de dormir.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

a gente rodava


a gente rodava rodava rodava e soltava as mãos e ainda assim rodava ao mesmo tempo e na mesma intensidade e as paisagens se repetiam ou éramos nós já não lembro quanto mais rápido mais vermelha ficava a minha saia e eu queria uma esvoaçante para enfeitar o sentido horário de meu bem ele é único até quando se repete guardo um pedaço seu a cada volta reparo em algo novo tem uma bateria com mil pratos na minha cabeça que até parecia carnaval dentro de mim e era e eu não podia parar e nem você e nem o tempo esse teimoso o tempo me seguia sem nos alcançar íamos além e a gente rodava




domingo, 1 de agosto de 2010

Peanuts 1


— Então, Charlie Brown, o que é amor para você?
— Em 1987 meu pai tinha um carro azul.
— Mas o que isso tem a ver com amor?
— Bom, acontece que todos os dias ele dava carona para uma moça. Ele saía do carro, abria a porta para ela, quando ela entrava ele fechava a porta, dava a volta pelo carro e quando ele ia abrir a porta para entrar, ela apertava a tranca. Ela ficava fazendo caretas e os dois morriam de rir. Acho que isso é amor.

Peanuts, 1999.


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Hahahaha


"I love people who make me laugh. I honestly think it´s the thing i like the most. To laugh. It cures a multitude of ills. It´s probably the most important thing in a person."


Audrey Hepburn

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Inevitável ou a direção de todas as coisas

Sim, ir embora dói porque ainda há lugares em você que não conheço. E a beleza do intocável se multiplica na velocidade de uma tarde alegre de sábado. Há mais portas num pequeno quarto fechado do que num casarão medieval, depende de quem o habita. Sim, ir embora dói e a despedida de um gesto é mais dolorosa do que qualquer outra, porque um gesto sempre se expande e acorda outros gestos e acorda os tigres que moram em mim e eu não posso mais alimentá-los porque o que sobrou de água aqui dentro mal dá para uma pessoa pela metade. Mas ainda acredito naqueles pequenos lugares aos quais nunca fui e a sua voz é uma seta amarela, imensa e luminosa, na direção de todos eles. Não me dê uma saída, me dê um caminho. Viver é óbvio e inevitável.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Medida de azul



mais vale um céu sorrindo do que dois chorando.

domingo, 20 de junho de 2010

Não posso dar vida a uma mulher sem abismos.
Não existe nascimento sem dor.

sábado, 19 de junho de 2010

As coisas

"as coisas têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, destino, idade, sentido. as coisas não têm paz."

arnaldo antunes

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Rotina

de repente,
a gente inaugura um gesto
e ele dura.
a rotina também nasce do acaso.
e o acaso é bom.

quarta-feira, 9 de junho de 2010


dance me to the end of love.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A explicação que eu daria a uma criança:

Primeiro, você pega uma caixinha pequena, do tamanho de um dia feliz – a alegria sempre pode ser maior – uma caixinha pequena e lisa, que é pra você enfeitar do jeito que for mais seu. Você forra a caixa por dentro, com todo cuidado, se possível, com o tecido mais delicado que encontrar. É importante que a casa do seu sorriso seja confortável. Então você começa a preencher o espaço. Comece pelos abraços. Coloque dentro da caixa todos os abraços que você já deu, quer dizer, todos não, só aqueles em que o cheiro da outra pessoa tenha ficado na sua roupa depois, os mais longos e apertados. Em seguida, coloque a sua comida preferida. Pode ser doce. Deve ser doce. Mas pode ter sal também. Duas ou três fotos que você mesmo tenha tirado. Das nuvens, do jardim e das crianças. A sua flor preferida, a sua cor preferida, o casaco mais confortável que você tiver. Coloque a cena mais bonita, do filme mais emocionante, com ou sem beijo, mas com muita verdade. Isso, coloque verdade, em doses imensas. Mas nenhuma que possa machucar. Não se esqueça da música. Uma caixinha tão delicada precisa de música, pra dançar, inclusive. Aquele álbum raro, da melhor banda de todos os tempos, precisa estar lá. Coloque carinhos no cabelo, cheiros de mar, poemas curtos, receitas de bolos, gargalhadas na grama. Inclua frases como: “já viu como a lua está linda hoje?” ou “eu adoro dias frios” ou “hahaha”, mas, principalmente, esta: “gostou? Fui eu que fiz”. Você coloca o que você tem de melhor dentro dela e chega até a se perguntar como coube tanta coisa em uma caixa deste tamanho. Ela supriria um filho cuja mãe estivesse ausente, ela alimentaria toda uma civilização escondida no topo de uma montanha, ela detonaria fogos de artifício em um deserto. Mas não. O que você quer é entregá-la a uma só pessoa. E o nome disso é amor.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Encontro

Capítulo 1: estômago encontra borboletas.
Assim começa o livro da minha vida.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Quando

Plantei uma alegria no futuro.
Fui lá e dei uma mordida.
Tinha sabor de agora.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cultura de Almanaque

"É doce aprender coisas simples; depois de uma certa idade, em que a nossa ignorância já esta sobrecarregada de mil noções inúteis, certas ou erradas, acho um encanto especial em descobrir que a esmeralda não é um cristal feito com os olhos lindos das virgens de olhos verdes que morreram de amor, mas um silicato de alumínio e glucínio, e irmã gêmea da água-marinha e do berilo, ao passo que a ametista é apenas um quartzo com seus 15 por cento de óxido de manganês."

Rubem Braga

quarta-feira, 28 de abril de 2010

My Foolish Heart


Quando.
Não.

Posso.

Ir.

A.
Nenhum.
Lugar.
Permaneço.
Em.
Mim.
Com quantas notas se faz um dia como este?
Encosta um barco na beira da ilha e meu coração que é bobo corre para ver: é Bill Evans no piano.


http://www.youtube.com/watch?v=a2LFVWBmoiw

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Como é mesmo o nome disso?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Confissão #4

Fico acordada para esperar o dia e desejo sempre que ele se atrase. Falo baixo para não acordar o futuro.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Flor do dia


Eu acordo em flor.
Me despetalo de cobertor,
De cortina,
De camisola macia.
E me ponho a regar o corpo.
É então que eu vou me desabrindo,
cobrindo-me de roupa séria, da raiz ao ar.
Até casaco me floreia em dia frio,
Que pouse sobre mim a doçura de um dia lento.
O ciclo natural da vida,
no retrato de uma manhã.

terça-feira, 16 de março de 2010

Acorrentados

"Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre."


Texto de Paulo Mendes Campos, extraído do livro "O Anjo Bêbado", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 105.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Algo ou Nada?

Não, nós não temos nada. Não somos nada um do outro. Ontem vimos um filme péssimo, um dos piores que eu já vi e a minha vontade no cinema era de deitar a cabeça no seu ombro e viver. Se passassem dois anos, eu não notaria. Toda vez que sentisse fome, eu te beijaria mais um pouco. Não chegamos a sair de mãos dadas do cinema, não temos esse hábito. Nos esbarramos varias vezes, nossos braços se batem de uma forma que se fosse em qualquer outra pessoa, me incomodaria muito. Mas não em você. Você adora. Nós não somos nada, então não nos beijamos em público o tempo todo, só às vezes. Fomos tomar sorvete semana passada e você estava sem barba, nessas horas eu penso que se nós fossemos alguma coisa, eu nunca deixaria que você tirasse a barba, mas não posso dizer mais, senão vou ter que revelar que acho você incrivelmente lindo do outro jeito e eu não quero – ou não posso – me entregar assim. Quando você disse que gostava de mim – bastante – a primeira coisa que eu senti foi verdade, mas logo veio um medo. Você diz coisas que não fazem o menor sentido e discute assuntos que eu não quero nem ouvir e então eu dou graças a deus por nós não sermos nada. É tão mais fácil. Mas aí acontece de eu não querer dormir sozinha de jeito nenhum e pensar em ligar pra você. Uma parte de mim, confesso, preferia que você não atendesse, mas você atende e vem até aqui e nós assistimos ao nosso preferido juntos. Rimos alto e nos olhamos, procurando a alegria compartilhada. E ela está ali, no sofá, esparramada, à vontade. Meu relógio anda em pulos e só dormimos quando amanhece. Interrompo raciocínios com beijos afogados e desesperados e pausados e pesados e saudosos. Estou cheia de nada, enquanto me preparo para o vazio de amanhã.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Que seja hoje

Desculpa se eu não posso competir com o seu passado. E pedir pro seu prato vir sem mostarda, porque você não suporta nem o cheiro. Eu também vim com as minhas marcas e códigos – todos carregam os seus pra lá e pra cá e pesa demais. Mas se desfazer deles seria como deixar um braço na cadeira do cinema, ao levantar. Desculpa se eu não sei quais são os seus filmes, se não os tenho, se não os vi. Eu sou mais musical do que visual. E te perdôo por não ouvir blues pela manhã. Já perdoei tantos por isso. Seu aniversário ainda é um dia em branco no calendário. E a minha voz não te acalma. Ainda. Mas vai acalmar um dia, se nós deixarmos. Ouve. E me perdoa. Dobrei o livro na página 21 que era pra você encontrar e ler, isso significa que eu estou aqui. Aqui e nova. Aqui e inteira. E eu preciso que você me aceite.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Me abismo, sucumbo

"Por mágoa ou por felicidade, sinto às vezes vontade de me abismar".

Roland Barthes

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A vida é filme

12 filmes em janeiro. O ano começou assim, com uma película na frente dos dias. Interruptor pra amor não funciona, baby. Se funcionasse, estaríamos off, um pouco on, sometimes, mas off, definitivamente. Comecei vendo aquele da Sofia Coppola, você também gosta. Os dois em Tóquio e você sabe que eu nem ligava pra cidade até ver o filme. Downtown oriental é muito mais charmoso. Tipo Nova Iorque só que você entende menos, não o porquê das luzes, mas o que elas querem dizer. Sabe aquela parte em que ela diz que eles nunca mais devem voltar pra lá porque nunca mais será as much fun? Ai, eu acho tão lindo. Se eu pudesse, eu nunca mais iria àquele cinema de Botafogo, o mais perto da praia. Lembra do dia em que o bebedor espirrou água na sua camisa e você entrou no cinema completamente encharcado e uma senhora perguntou de uma forma tão sincera se estava chovendo lá fora e você, para não fazê-la se sentir mal, disse com a maior naturalidade do mundo “um pouco”, lembra? Eu lembro na hora do filme com a Catherine Deneuve – como eu queria ter o rosto dela – cantando por Paris. Foi o segundo filme ainda no primeiro dia do mês e o cartaz com ele e ela e o guarda-chuva continua no meu quarto. Acho que decidi que o meu filho (quando eu o tiver) vai se chamar Nino por causa do ator ou por causa do personagem que eu amo, esse você sabe bem, é um filme que fala tanto de mim, já pensei cem vezes em guardar uma caixinha dentro da parede do meu banheiro que é pra daqui a 50 anos, transformar a vida de alguém. Vamos nos casar na Catedral de Montmartre? Não precisa nem ser lá dentro, pode ser na escadaria mesmo. Sonho com bastante freqüência que estou lá. Especialmente quando estamos off, eu e você, ver o filme não ajudou muito. Vi também aquele que você me recomendou, o que o cara perde a memória e a historia é contada de trás pra frente. Minha próxima tatuagem vai ser uma foto Polaroid. 12 filmes em janeiro. Abri a caixa de DVD e veio um poema. Era aquele israelense, revi 3ª feira. Nem o Amos Oz faria um filme desses, nem Drummond, tenho certeza. Voltei cinco vezes a cena dele cantando “My Funny Valentine” no aerporto, era como se fosse pra mim. Uma 3ª feira pode ser tão perdida quanto uma orquestra mal regida. Vi uns filmes bobos também, de super-heróis pulando sobre prédios, dando beijos de ponta-cabeça, e eu ainda tenho a impressão de que os nossos eram mais mágicos. Você também? Enquanto estamos assim distantes, você gostaria que eu deixasse um monte de fitas gravadas pra você ir ouvindo aos pouquinhos, conforme fosse sentindo a minha falta? Vi isso em outro filme e chorei dois baldes de saudade. Era de uma mãe para as filhas, mas era amor, você me entende? Se eu fosse a personagem da história de alguém, eu pediria agora que a minha autora – e digo autora porque sei que uma personagem como eu, só poderia ter sido desenhada por uma mulher – que me desse um cookie de baunilha com chocolate, é urgente. Tanta coisa é. Os filmes do Woody, por exemplo, vi 3, esse mês. Ouvi Gershwin até dizer chega. Parecia que eu já acordava com o barulho do piano. Por acaso você cresceu numa casa sob uma montanha russa? Desculpa, eu não podia perder a piada. Finalmente decorei o poema do e.e.cummings e prometi pra mim mesma que vou tomar um Milk Shake daquele que ele toma com a Mariel Hemingway no balcão da lanchonete. Me encontra numa lanchonete perdida no meio da cidade? Ver filmes me deixa com tantas idéias. Me encontra numa cidade em que só se chega de trem, não vou citar Montauk, porque seria um golpe muito baixo. Vi esse também. Se eu soubesse o peso da memória, pediria pra nascer com uma sacola em cada braço para suportar a vida. Mas estou bem. Desligo o interruptor. Estamos off, baby. Estamos? Já é tarde, acho que vou dormir.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Recomeço

Água
Água
Água
Na minha arca,
Levo uma alegria de cada espécie.
Recomeça outra vez.
No princípio, será o verbo
Sorrir.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Um ano


Eu só queria uma casa simples,
Pra poder andar sem sapato.



Hoje o blog faz um ano. Quem gostou levanta a mão. :)