quarta-feira, 4 de julho de 2012

Já é hora


Há um relógio de cílios dentro de mim, dizendo que ele está por vir e, quando vier, será bem-vindo, será em boa hora. Ficarei sensível, eu sei. Mas é o ciclo natural da vida. Da minha vida. Irei alimentá-lo como uma leoa e nutri-lo com as minhas melhores palavras. Desejo que eu não o proteja assim só por proteger, mas sim porque o que nos liga é o fio invisível daquilo que chamam – por falta de vocabulário mais preciso – de amor. Banal, mas amarra a gente que é uma coisa. Me lembre, por favor, de que eu o criei para o mundo e não para viver na beirada dos meus olhos. Pode vir, estou pronta. Seja bem-vindo, poema.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

perdeu-poeta

sonhei que eu dirigia pelo centro da cidade,
quando um bandido vinha roubar meu carro.
está bem, mas posso só levar comigo umas coisinhas?
muito gentil e educado,
o bandido me deixava pegar
dois celulares
uma velha carteira roxa
e uma mochila quadriculada.
esqueci no chão meu caderno de poesia,
posso levar também?
mas isso não tem valor nenhum, moça.
arrancou com o carro
sumiu na primeiro de março
e eu abraçada com o caderno
dizia
pra mim, tem.



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ônibus-surpresa

peguei um ônibus hoje com uma surpresa dentro.
nenhum homem armado,
nenhum bebê chorando,
nenhum grupo de crianças saindo da escola,
nenhum motorista descontrolado.
no banco da frente,
de canetinha preta,
a frase:
“não diga que o céu é o limite se tem pegadas na lua”.
e eu só estava indo para o largo do machado.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Pra você

É, meu amor, parece que sim, que nós, do jeito que viemos ao mundo, com a sabedoria inicial ainda intacta e um colo a 36 graus para acariciar os pulmões, ainda estamos inteiramente vivos. Expandir e contrair não mais dói, salva, mas o sorriso – como se fosse o primeiro, em dó maior – persiste. É, meu amor, parece que é, sim, um longo começo, os outros nos olhando como naquela vitrine, o berço da nova civilização que seremos, e a vitrine será um espelho, porque os outros também somos nós e tudo é novo e puro e doce, como o mel, amor, como o meu, amor, os meus dias cheios de sol e sou grata por você ser parte deles. Você, o meu amor, ou eu, agora, hoje, parece que sim, somos um.


[ao som de: http://www.youtube.com/watch?v=QW0i1U4u0KE&feature=related]

quinta-feira, 12 de maio de 2011

pra longe, bem devagarzinho ou cinco coisas que aprendi em uma tarde:


Encontrar uma criança com o uniforme da escola onde você estudou, emociona.

É possível passear com uma tartaruga na grama da lagoa. Ela bem que acompanha.

Se eu desse a volta inteira, não encontraria um coco melhor do que aquele. Palavras do moço que me vendeu.

O passeio de pedalinho custa 20 reais, por meia hora.

A diferença entre um homem e uma mulher é que a mulher tem bem mais coração. Palavras do moço do pedalinho, ao ver uma mãe, morrendo de medo, enfrentar a lagoa, por causa do filho.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

palavra-quântica


A palavra-quântica é impronunciável.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

wild at heart


O toque

sutil

como um não toque

e intenso

como um mergulho.

A delicadeza

também

é uma provocação.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

para flutuar













respire fundo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um poema pra novembro

É engraçado como de uma hora pra outra,

Eu – esse ser tão descabido de interrogações –

Posso segurar a chama de um isqueiro com a língua,

Sustentar o vento com a pálpebra do meu polegar,

Escravizar as uvas retendo apenas o liquido denso e vivo

que sai delas,

Catapultar avenidas,

Abrigar montanhas dentro do meu casaco de seda,

Ouvir o que sussurram as formigas na linha do trem,

Posso tudo, e nada me evapora,


Só não posso, nem com toda a sorte do mundo,

dizer não.


Por isso, espero.


E tenho saudade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ponteiros batem feito corações


Todos os ponteiros de relógios apontam em direções diferentes não há hora exata para ir embora o tempo é uma reta e mais outra com um ponto no meio do caminho já é à tarde ou então é cedo se o menor assim quiser ele rabisca agendas marca compromissos marca passos 24 passos por dias sem sair do círculo e ainda assim é livre enquanto um deita aqui o outro já está de pé no Japão eles nunca se encontram como as famílias que se reúnem para jantar em um ângulo de 90 graus ou durante a novela que nunca se atrasa se ao invés de números fossem cores talvez você acordasse em pleno amarelo e ao alaranjar fosse a hora de dormir se ao invés de cores fossem palavras você diria ainda são dinossauros me chame só ao guarda-chuva se ao invés de palavras fossem sensações o maior poderia parar na alegria mesmo se estivesse com a bateria funcionando bem rápido vão os ponteiros do relógio especialmente quando num minuto estão muitos dias e eles batem batem batem feito corações.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Para Guimarães Rosa

Vestiu uma roupa laranja e foi dizer sim. De branco ficou a cara do pai, fazendo susto com as bochechas. Na grama a gente não pisa, mas a alegria pula e vai bem alto colocando um laço lilás no cabelo dela. Um jardim de fazer crescer para sempres. Ele jura que vai construir a casa na árvore. Ela promete que vai amarelar as paredes de cor. Todo mundo em ah, e o olho da mãe regando o vestido. Diluviando. Ele já pode assoprar o cabelo dela: sim, sim. Ela joga um saco de pipocas para trás e quem pega uma comemora. Tem sorte. Todos dançam em carrosséis até o céu girar também e eles rodam, rodam, rodam, circulando o todo dia de amor.

Para Mia Couto

A mulher foi embora assim numa manhã, sem deixar nem vento. Ela era folha, ele era raiz. Ficou. E chorou porque homem que é homem se apresenta pra dor, mas não se demora muito nela. Ele a procurou na cidade e fora dela e não tinha uma árvore que não soubesse o rosto da mulher; colou a foto mesmo, que era pedido de ajuda. Um dia, o teto ficou longe e ele bateu a cabeça no chão. Era o primeiro enjôo. Nunca tinha sentido isso, mas não fugiu, se apresentou novamente e o médico pediu exame. O senhor não fuma, não bebe, não tem chefe, não tem porque cair assim. A minha barriga, doutor, ta fazendo o resto do corpo encolher. Desde quando? Faz tempo pequeno, foi quando ela foi embora, to assim de tanto esperar. O médico ficou branco quando deu a notícia: a espera é agora, tem um bebê na sua barriga. A cidade inteirinha querendo ver, que coisa assim se espalha logo e ele olhando a coragem e dizendo: vambora? E foram. Passou um mês, seis, nove e a mulher voltou. Voltou? Ele com dois corações batendo apressados e ela dizendo: não queria ter feito você esperar tanto. E ele: agora já foi. No dia seguinte, o bebê nasceu. Era a cara da mãe.