domingo, 18 de janeiro de 2009

Don't watch me dancing


Ela tem vergonha de que eu a veja dançar. Diz que a música lhe foge, e quando se dá conta, já foi parar na cintura de outra moça. Ela acha que eu ligo para a direção dos seus braços. Não ligo. Para mim, eles sempre apontam prum sorriso escapando no canto da boca. Ela tem vergonha de que eu a veja dançar por desconforto de pista. Dança, então, no carro, no supermercado, na passagem do 6º para o 7º andar do elevador. No de serviço, que é sem espelho. Dança enquanto o elevador sobe e a impaciência que faz alguns procurarem a chave na bolsa – a impaciência que dela é musical – a faz se movimentar entre quatro platéias. Para mim, que a vejo com olhos de partitura, ela sempre se move num ritmo que eu não me canso de acompanhar.

Passo de dança é ela conduzindo as sandálias até o último degrau do cinema da galeria. Eu a vejo e ela não me escuta.

Será que hoje você deixa eu dançar uma música com você? Só uma. Em lugar de dançar, eu sei que ela tem vergonha. A vergonha mais bonita desse salão. Por isso, me espanto quando ela se aproxima, sua saia alcançando meus ouvidos antes mesmo dela estender as mãos para mim. Eu que a tirei pra dançar tantas vezes enquanto esperávamos o ônibus juntos, na fila do suco, no sinal que teimava em ser vermelho. Bom dia, o 583 já passou? Nem me interessa a resposta.

Eu, que nunca dancei com ela por vergonha dela em lugar de dançar, eu, que agora tenho uma das mãos na sua cintura, no seu ombro, na sua cintura e a outra na sua mão esquerda, estou conduzindo a minha vontade por um salão lotado de estranhos. Desculpe, com licença.

Eu, que aceitei ela ter esquecido o desconforto na outra saia, a que ficou em casa, continuo a ocupar esses espaços com os passos nossos e leves. Os meus e os dela. Que me tirou pra dançar e eu fui atrás, da porta do banheiro feminino à mesa com as amigas. Não tive coragem para mais.

Um comentário:

  1. Acho que é disso que eu preciso.
    Na verdade, acho que é disso que o mundo precisa!
    Palavras simples e doces, delicadices que somadas captam o nosso sentimento mais puro e, parafraseando o próprio texto "apontam prum sorriso escapando no canto da boca".

    :)

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