quinta-feira, 26 de março de 2009

A mãe


A mãe acorda antes mesmo do dia. Não é um tic-tac que a desperta atrás da cama de madeira escura, é um tum-tum de mãe mesmo, no centro da cama. Então, antes do dia, há a mãe, empurrando a coberta de flores miúdas e erguendo-se sobre os chinelos que são de cor cinza, como os cabelos. Ela precisa acender a luz do banheiro não para enxergar os grampos que vai tirar um a um dos cabelos – todo dia é assim – mas para que nenhum se perca no caminho até a pedra branca de mármore que faz da pia uma ilha invertida, um ponto de água cercado de dureza.

Ela entra no quarto dos meninos, paredes azuis, motivos de mar, como quis o mais velho. O quarto-cofre, como chama a mãe quando está apenas com ela mesma. O joelho direito ela apóia na cama mais baixa e cobre o pequeno de lençol amarelo e de dorme, meu príncipe. Com o mais velho, ela apenas passa a mão sobre o rosto, como se assim garantisse um último sonho bom antes da hora de acordar.

O quarto, o cofre, o de motivos de mar, o que tem dois meninos de alturas diferentes em duas camas de alturas diferentes, respira amor. E todos sentem. A mãe continua e de lá até a cozinha um corredor de paredes brancas e vermelhas lhe sorri imóvel. Passa por aniversario de vó, campeonatos de bola, semelhanças de pai e filhos. Ela não nota mas o quadro das frutas está ligeiramente torto, o cuidado passa reto pelas frutas e vai até o filtro de água da cozinha. A água sai marrom às vezes. Mas o amor nunca é marrom, porque é potável. A mãe olha o relógio da parede pendurado sobre a mesa e vê que já são seis horas. Ha um convite, então, dentro da moldura redonda sobre a mesa, e a mãe caminha alguns passos, só mais alguns, para alcançar as janelas e deixar chegar, finalmente, o dia.

2 comentários:

  1. Ila, que imagens bonitas. Tudo inspira amor por aqui. Gostei.

    Beijoca!
    Gabi

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  2. "porque o amor é potável". Impressionante a delicadeza e sensibilidade dos seus textos!

    Um beijo!

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